sexta-feira, 18 de junho de 2010

Famílias devem se preparar para cuidar de idosos

Por Lola Felix São Paulo

Famílias devem se preparar para cuidar de idosos. Poucos pensam no assunto, mas pode acontecer: um dia, a relação de dependência com os pais corre o risco de sofrer uma inversão de papéis. E os idosos, que um dia o alimentaram, precisarão de sua ajuda para fazer as refeições.

Também terão de contar com a ajuda do filho para preparar o almoço, fazer as compras e, com o avançar do declínio físico e cognitivo, tomar banho, se trocar ou se pentear. Alguns filhos assumem o papel de cuidadores de idosos, função que também pode ser exercida por gente de fora da família, e para a qual há treinamento. A escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (USP), por exemplo, oferece cursos periodicamente. Segundo estimativas, o Brasil tem cerca de 1 milhão de cuidadores.

No estudo "Idosos no Brasil - Vivências, Desafios e Expectativas na 3ª idade", do Sesc em parceria com a Fundação Perseu Abramo, constatou-se que, entre os homens acima dos 70 anos de idade, são as esposas as principais cuidadoras - 59% dos entrevistados disseram contar com a ajuda das mulheres. Já elas recebem mais auxílio dos filhos (30%) e, em segundo lugar (20%), de cuidadores que não moram na casa. Não bastam habilidades com o transporte e alimentação dos idosos. De um dia para outro, essas pessoas têm de aprender a lidar com emoções díspares como amor e ódio, paciência e desequilíbrio. "A pessoa que toma conta do idoso deve aceitar que pode ter sentimentos ruins, como raiva e impaciência", diz a jornalista Marleth Silva, autora do livro "Quem Vai Cuidar dos Nossos Pais" (Ed. Record).

A enfermeira Lucélia Aparecida Moraes, de 30 anos, diz que a primeira virtude que um cuidador de idoso deve ter é a paciência. "Com jeitinho, você convence o velhinho teimoso a fazer o que é bom para ele. É preciso explicar o porquê de cada coisa", aconselha a enfermeira, que há 18 meses cuida de Leonor Gregório, 70 anos, portadora de Alzheimer. No começo, o marido de Leonor, Nelson Gregório, executava o papel, mas, com o avanço da doença, sentiu que era preciso contar com a ajuda de alguém mais preparado. Hoje, Gregório e Lucélia concordam que o trabalho conjunto da família com a cuidadora melhorou muito o estado de saúde de Leonor. "Se não tiver carinho, não tem paciência e, se não tiver paciência, o idoso não colabora mesmo", explica Lucélia, que trabalha doze horas por dia.

"Cuidadores também precisam se cuidar, manter uma vida ativa", lembra Marleth. Não é fácil, mas é preciso, às vezes, se afastar do idoso e saber que o mundo não vai acabar.

Tratamento arquitetônico

Nem só de remédios se faz o tratamento do Alzheimer e de outras doenças degenerativas. O arquiteto norte-americano John Zeisel, um dos maiores pesquisadores e referência mundial em arquitetura voltada aos portadores de Alzheimer, acredita que o meio ambiente tem influência decisiva no desenrolar da doença.

Fundador da Hearthstone Alzheimer Care, um centro para cuidados de Alzheimer, nos EUA, Zeisel desenvolveu uma cartilha de arquitetura comportamental, que visa melhorar a vida dos pacientes por meio de alterações no projeto arquitetônico. "O ambiente, assim como a química, afeta o cérebro", diz Zeisel.

O primeiro aspecto a se pensar, segundo a arquiteta Luana Radesco, do Hiléa, centro para cuidados de Alzheimer, em São Paulo, é a iluminação da casa. "Idosos são sensíveis à luz, por isso, é bom ter controle sobre ela." Luz natural é importante, mas deve ser passível de controle, através de cortinas.

Evitar pisos brilhantes é outra regra importante, pois os pacientes poderão pensar que se trata de um chão escorregadio. As portas, bem iluminadas, devem ter as fechaduras destacadas. Se o ambiente tem jardim, valorize-o, para que o idoso possa visualizá-lo e se sentir atraído a visitar aquele cantinho. "Em alguns casos, as mudanças podem fazer com que o uso de calmantes seja diminuído", diz Zeisel.


Cuidadores são pessoas generosas
 
A jornalista Marleth Silva, autora do livro "Quem Vai Cuidar dos Nossos Pais", explica que, normalmente, a própria família assume a responsabilidade de cuidar do idoso, mas reconhece, no entanto, que quando o quadro de saúde piora, é preciso contar com ajuda profissional. A seguir, trechos da entrevista.

 AGÊNCIA ESTADO - O que é melhor: o filho cuidar do velhinho ou contratar alguém para desempenhar a tarefa?
 MARLETH SILVA - No começo, o parente pode cuidar do idoso, mas uma hora terá de voltar ao trabalho e, aí, irá precisar da ajuda de um cuidador. Ele pode ser outra pessoa da família com tempo disponível ou até uma empregada doméstica.

AE - Quais as diferenças entre cuidador e enfermeiro?
 MARLETH - O enfermeiro, além de possuir mais conhecimento técnico, cobra mais caro pelo serviço. Enquanto um cuidador contratado recebe cerca de R$ 800 por mês, o enfermeiro não trabalha por menos de R$ 1.500. Às vezes, quando a doença evolui, o cuidador pode precisar da ajuda de um enfermeiro.

AE - O que move um familiar a cuidar de um velhinho mesmo sem receber nada por isso?
 MARLETH - Em geral, são pessoas generosas. Costumam pensar "já que a pessoa precisa de ajuda, tenho de ajudar". Nem todo mundo acha natural ser cuidador.

AE - Cuidar dos pais velhos é uma tradição no Brasil?
MARLETH - Na sociedade brasileira atual não é imperativo. Geralmente isso é decidido entre a família e, quase sempre, a tarefa acaba ficando com a filha. Para muita gente ainda é doloroso mandar o velho para uma clínica de repouso - sendo que às vezes o idoso prefere assim, pelos cuidados e pela atenção que recebe. E há também as casas de repouso que mais parecem hotéis de luxo, com serviço de flat, área de convivência. Essa realidade é mais observada nos Estados Unidos, mas é uma questão de tempo para se popularizar no Brasil.
 
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Fonte: Agência Estado, 06/08. Reproduzido por Brasil - Último Segundo.
Disponível em: 
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