sexta-feira, 11 de maio de 2007

TRIBUTO AO 13 DE MAIO

"MEU BONDOSO PRETO VELHO!!!

Aqui estou de joelhos, agradecido, contrito, aguardando sua benção.

Quantas vezes com a alma ferida, com o coração irado, com a mente
entorpecida pela dor da injustiça eu clamava por vingança, e Tu, oculto lá
no fundo do meu Eu, com bondade compassiva me sussurravas: "ESPERANÇA".

Quantas vezes desejei romper com a humanidade, enfrentar o mal com maldade,
olho por olho, dente por dente, e Tu, escondido em minha mente, me dizias
simplesmente:

"Sei que a maldade e a traição ferem o coração, mas, responder com ofensas,
não lhe trará a solução. Pára, pensa, medita e ofereça-lhe o perdão. Eu
também sofri bastante, eu também fui humilhado, eu também me revoltei,
também fui injustiçado.

Das savanas africanas, moço, forte, livre, num instante transformado em
escravo acorrentado, nenhuma oportunidade eu tive. Uma revolta crescente me
envolvia intensamente, porque algo me dizia que eu nunca mais veria minha
Aruanda de então, não ouviria a passarada, o bramir dos elefantes, o rugido
do leão; minha raça de gigantes de que tanto orgulho tivera, jazia
despedaçada, nua, fria, acorrentada num infecto porão.

Um ódio intenso o meu peito atormentava, porque OIÀ não mandava uma grande
tempestade? Que Xangô com seus raios partisse aquela nave amaldiçoada, que
matasse aquela gente, que tão cruel se mostrara, que até minha pobre
mãezinha, tão frágil, já tão velhinha, por maldade acorrentara. E Iemanjá,
onde estava que nossa desgraça não via, nossa dor não sentia, o seu peito
não sangrava? Seus ouvidos não ouviam a súplica que eu lhe fazia? Se Iemanjá
ordenasse, o mar se abriria, as ondas nos envolveriam; ao meu povo ela daria
a desejada esperança, e aos que nos escravizavam, a necessária vingança.

Porém, nada aconteceu, minha mãezinha não resistiu e morreu; seu corpo ao
mar foi lançado, o meu povo amedrontado, no mercado foi vendido, uns pra cá,
outros pra lá e, como gado, com ferro em brasa marcado. Onde é que estava
Ogum? Que aquela gente não vencia? Onde estavam as suas armas, as suas
lanças de guerra? Porém, nada acontecia, e a toda parte que olhava, somente
uma coisa via: terra.

Terra que sempre exigia mais de nossos corpos suados, de nossos corpos
cansados.
Era a senzala, era o tronco, o gato de sete rabos que nos arrancava o couro;
era a lida, era a colheita que para nós era estafa, para o senhor era ouro.
Quantas vezes, depois que o sol se escondia, lá no fundo da senzala, com os
mais velhos, aprendia que no nosso destino no fim não seria sempre assim,
quantas vezes me disseram que Zambi olhava por mim.

Bem me lembro uma manhã, que o rancor era grande, vi sair da casa grande a
filha do meu patrão. Ingênua, desprotegida, meu pensamento voou: eis a hora
da vingança, vou matar essa criança, vou vingar a minha gente, e se por isso
morrer, sei que vou morrer contente.

E a pequena caminhava alegre, despreocupada, vinha em minha direção; como a
fera aguarda a caça, eu esperava ansioso, minha hora era chegada. Eu trazia
as mãos suadas, nesse momento odioso, meu coração disparava, vi o tronco, vi
o chicote, vi meu povo sofrendo, apodrecendo, morrendo e nada mais vi então.
Correndo como um possesso, agarrei-a por um braço e levantei-a do chão.
Porém, para minha surpresa, mal ergui a menina uma serpente ferina, como se
fora o próprio vento que fere o espaço, errando por minha causa; o seu bote
foi tão fatal, tudo ocorreu tão de repente, tudo foi de forma tal, que ali
parado eu ficara, olhando a serpente que sumia no matagal.

Depois, com a criança em meus braços, olhei meus punhos de aço que a deviam
matar... olhei seus lindos olhinhos que insistiam em me fitar. Fez-me um
gesto de carinho, eu estava emocionado, não sabia o que falar, não sabia o
que pensar. Meus pensamentos estavam numa grande confusão, vi a corrente, o
tronco, as minhas mãos que vingavam, vi o chicote, a serpente errando o
bote... senti um aperto no coração, as minhas mãos calejadas pelo machado,
pela enxada, minhas mãos não matariam, não haveria vingança, pois meu Deus
não permitira que morresse essa criança.

Assim o tempo passou, de rapaz forte de antes, bem pouca coisa restou, até
que um dia chegou e Benedito acabou...

Mas, do outro lado da morte eu encontrei nova vida, mais longa, muito mais
forte, mais de amor e de perdão, os sofrimentos de outrora já não importam
agora, por que nada foi em vão...
Fomos mártires nessa vida, desta Umbanda tão querida, religião do coração,
da paz, do amor, do perdão".

Escrito por Pai Ronaldo Linares em 20 de Outubro de 1964; entregue em mãos,
por ele, ao JUS (Jornal de Umbanda Sagrada) e publicado em Maio de 2005

Muita proteção e luz a todos!!!

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