segunda-feira, 28 de junho de 2010

A nudez

 por Alexandre Luiz Bernardi Rossi*


A pele é a fronteira do corpo, a alma é o limiar da essência e a sede intensa da individualidade. Como desnudá-la? Despir-se das vestes é tarefa banal e vulgar; desnudar a alma é arte nobre e pura, requer confiança e profundo afeto. Por tais motivos sua prática é tão temerosa. Ao despir-se das vestes, descobre-se unicamente o corpo – abrigo da alma oculta. Já ao desnudar da alma – santuário do íntimo, desvenda-se a verdade sobre as debilidades de caráter e temperamento. Fica-se vulnerável.

Há grande complacência e tolerância com o ato de despir do corpo os trajes, enquanto há muita resistência e relutância em desnudar da alma as fachadas. A reclusa alma sofre com a necessidade de permanecer oculta ou dissimulada em máscaras do não-eu; já o corpo se apraz e se diverte diante das tantas possibilidades de se mostrar inteiramente. Tal comportamento torna deleitoso somente o viver por viver e retira da vida a oportunidade inusitada da sinceri dade pueril. Disso, resulta o “autoengano”, que impele continuamente ao fingimento.

Ora, o medo – acrescido à fragilidade interior – de pronunciar-se como um ser integral torna a todos lunáticos, ou seja, possuidores de uma única face, detentores apenas da metade de si mesmos. Inequívoco que tal modo de agir é mais seguro, pois dá invisibilidade, todavia rouba violentamente a oportunidade da plenitude e por um pouco menos de riscos permuta-se a liberdade pela segurança. Encerrando por trás de pesadas portas as emoções silenciosas que teimam em existir sufocadas.

De tal modo, a liberdade exige responsabilidade e capacidade de improviso diante das decisões. Poucos estão preparados para tanto. Daí, ao estender o olhar à sua volta, o homem sofre; perplexo e atônito, imerge no incompreensível e se perde. E ao perder-se de si mesmo, se abre prontamente. E ao se abrir prontamente, se despe com mais frequência para procurar no contato c om a pele do outro a esperança perdida de algo autêntico. Assim, em ato desesperado, extrai da fricção dos corpos o calor indispensável para aquecer seu frio e inconsolado coração. E só assim sentir-se “vivo”; porém, incompleto, permanece só na sua própria incompletude. Assim, é mais fácil tirar a roupa do que desnudar a alma.

rossi@hsr.adv.br
*Advogado e professor


Um comentário:

Cill disse...

Sandra,
Parabéns pela escolha do texto. Um texto bem elaborado e que transmite uma percepção profunda da ambiguidade do Homem.Tece reflexões com propriedade e sensibiliza de pronto o leitor.
Um texto para se saborear aos poucos, assimilando cada ponto sugerido.
Gostei demais, muito bom mesmo.
Cumprimento o autor, colega de Academia, pelo belo trabalho e feliz colocação.

Um abraço

Priscila