quinta-feira, 12 de novembro de 2009



TRIÂNGULO AMOROSO


(*) Sueli Meirelles

Muitos casais que vivem conflitos conjugais imaginam que conseguem escondê-los de seus filhos, ainda pequenos. Algumas mães até se orgulham em dizer que os filhos nunca participaram de nenhuma briga. O conflito se transforma num segredo mantido por uma espécie de acordo tácito, a partir do qual ninguém toca no assunto, como se, com isso, ele deixasse de existir. Esses pais desconhecem que o inconsciente é um campo (o campo PSI) através do qual todas as mentes se comunicam; uma rede de Internet, onde todos os arquivos da mente, sempre estão disponíveis para serem acessados.

Uma menina que tenha participado, inconscientemente, dos conflitos conjugais de seus pais, pode “decidir” que não quer ser traída como a mãe, “preferindo tornar-se “a outra”, na vida adulta, numa interminável sucessão de relacionamentos a três, por acreditar que, se papai deixava mamãe para ficar com a amante, ser “a outra” deve ser melhor. Tal “decisão” inconsciente é tomada com base na inexperiência de vida de uma criança, que faz suas interpretações fantasiosas, tentando explicar os fatos sempre que não disponha de adultos conscientes, que a ajudem a entender o complicado mundo afetivo dos adultos. Estas interpretações transformam-se em padrões de relacionamento, que irão influenciar toda a futura vida afetiva, sem que ela tenha a mínima consciência dos motivos que a direcionam para um triângulo amoroso, embora eles sempre lhe tragam sofrimento.

Num relacionamento a três (um homem e duas mulheres) o homem será sempre o mais atendido emocionalmente: As expectativas não atendidas por uma das mulheres, poderão ser atendidas pela outra. Nesse contexto, a esposa tem o privilégio das datas oficiais da família (Natal, Ano Novo, dia dos pais, das mães e finais de semana em que não haja nenhuma desculpa para escapulir). A outra dispõe dos encontros fortuitos das tardes durante a semana, com a vantagem de que não se sente enganada ou traída, porque ela sempre sabe da existência da esposa. As duas têm como ponto em comum, o fato de serem sempre emocionalmente menos atendidas, porque não têm como vivenciar um relacionamento verdadeiro, entre dois seres humanos inteiros.

O perfil da esposa traída integra o modelo da família patriarcal, onde o homem exerce o seu papel de provedor, não deixando que “falte nada dentro de casa” (materialmente falando) desde que ele tenha a liberdade para “divertir-se” na rua. Inconscientemente, a esposa sabe da traição, mantendo o acordo tácito do faz–de-conta. Nesse contexto, a grande falta não é material; é afetiva.

O perfil da outra também integra o modelo da família patriarcal, onde ela foi a menina que sempre via a mãe chorando pelos cantos, mesmo que não lhe dissessem porque, desenvolvendo uma raiva surda (ou muda), que ao longo do tempo foi transformada num ressentimento contra a submissão da mãe e contra os homens em geral. Isto a levará a desenvolver um comportamento de sedução, como tentativa de manter o controle da relação, sem o risco de se comprometer totalmente, já que sempre terá um homem dividido, numa vã tentativa de evitar o sofrimento.

A elaboração desse triângulo amoroso depende, em primeiro lugar, que o cônjuge traído (geralmente a esposa) compreenda que a traição pertence a quem trai, de nenhuma forma diminuindo as suas qualidades ou a sua dignidade como ser humano. A amante (o caso mais comum) precisa compreender que ela também tem direito à auto-estima de um relacionamento igualmente inteiro e verdadeiro. O cônjuge traidor, por sua vez, talvez possa refletir sobre os padrões inconscientes que o levam a trair, e que estão sendo passados para seus filhos (sejam do sexo masculino ou feminino) já que os pais são os modelos de referência sobre os quais os jovens irão desenvolver seus padrões de comportamento afetivo.
 Concluindo, vale dizermos que, trabalhando com o inconsciente profundo do ser humano, jamais encontramos alguém com uma programação inconsciente para a traição, mas para a dissolução desses “nós” afetivos que, há séculos, desde a instituição do casamento, trazem tanto sofrimento para todos aqueles que são obrigados a conviver com o problema, mas nada podem fazer para resolvê-lo.

O fato de sabermos que para o inconsciente o escondido não existe, talvez seja o primeiro passo para que a nossa sociedade privilegie relacionamentos mais autênticos, onde seres humanos inteiros possam melhor compartilhar suas vidas.

(*) Psicóloga Clínica. Site: www.institutoviraser.com.br

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